A doutrina da graça irresistível é o quarto dos cinco pontos da soteriologia calvinista. É um ensino que está conectado com a Depravação total. Creio que só passamos a entender o conceito de graça irresistível quando levamos em conta a terrível condição do homem após a queda. Esta condição a qual nos referimos não é outra, senão a incapacidade deste homem de, por si mesmo, se salvar. Esta inabilidade é, então, a depravação total, que é o primeiro dos cinco pontos da soteriologia calvinista. O nosso objetivo, no entanto, não é tratar em específico da depravação total, mas sim da graça irresistível, respondendo à algumas objeções contrárias a esta preciosa doutrina. Assim sendo, começaremos definindo o que seria “graça irresistível”, e em seguida responderemos a tais objeções.
DEFINIÇÃO
A graça irresistível refere-se a eficácia da graça de Cristo em transformar e regenerar por meio da pregação aqueles que foram incondicionalmente eleitos pelo Pai (Jo 5:21-25, 6:44, Mt 11:25-27, Rm 8:30). Para ser mais claro, podemos dizer que a graça irresistível é a confirmação no tempo da eleição efetuada por Deus antes da fundação do mundo. Como também é a comprovação de que os propósitos Deus jamais poderão ser impedidos ou frustrados pelos seres humanos. Esta graça irresistível (eficaz) é o chamado interno, que é feito pelo Espírito Santo aos eleitos. Este chamado, portanto, se distingue do chamado externo que é feito através da pregação do evangelho (At 16:14, 1 Co 1:24, Rm 8:30). Este chamado interno sobrepuja a resistência do homem que, naturalmente, é depravado e inimigo de Deus. Isto posto, aprendemos que somente este ensino é coerente com a realidade da depravação, pois não haveria outra maneira do homem se salvar, a não ser por um milagre regenerador conhecido por graça irresistível (Jo 1:12-13, 6:44, At 16:14).
OBJEÇÕES À DOUTRINA
Alguns arminianos e anti-calvinistas tem levantado objeções contra esta doutrina. Vejamos duas das principais objeções, seguidas com as devidas respostas.
1ª objeção: “A graça irresistível é um erro, pois implica dizer que Deus concede a graça salvífica apulso, por força ou violência, para os tais eleitos”.
Resposta: Tal objeção não faz o menor sentido. Por que? Simples, quando se usa expressões tais como “salvar na marra, apulso ou por violência” isto implica em resistência ou relutância da parte de quem, no momento, está sofrendo a ação. Mas a graça irresistível não ensina que, enquanto Deus está regenerando, o homem se encontra resistindo a tal regeneração, como se Deus dissesse “eu estou neste momento te transformado”, e o homem replicasse “não, não, pare com isto”. Claro, bem sabemos que o homem não-regenerado é inimigo de Deus e a resistência às coisas de Deus é algo comum em sua vida. Porém a resistência natural deste homem às coisas de Deus é anterior ao momento em que a regeneração está sendo efetuada. Em outras palavras, não há resistência à obra regeneradora no momento em que ela está acontecendo; a resistência é anterior ao momento. A resistência é ao chamado externo, ou a pregação. Deus salva eficazmente, de uma forma tão gloriosa, que em momento algum a vontade do homem é violentada. Simplesmente há uma mudança no coração do homem. Deus, milagrosamente, transforma o coração de pedra, que é naturalmente indisposto a crer, em um coração de carne que é disposto a crer. Este milagre é maravilhosamente descrito pelo profeta Ezequiel.
“E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis. E habitareis na terra que eu dei a vossos pais e vós sereis o meu povo, e eu serei o vosso Deus.” (Ez 36:26-28)
Mas se mesmo depois de o arminiano ter lido esta argumentação, e continuar afirmando que a graça irresistível é inconsistente, visto que “violenta a vontade humana”, eu poderei também dizer que o arminianismo, com a sua incoerente regeneração parcial, também sofre do mesmo problema. No arminianismo, os homens são incapazes de crer, e por serem incapazes, Deus tem regenerado parcialmente os homens que são alcançados pelo evangelho, e faz isto sem considerar a escolha dos homens de quererem ser ou não regenerados parcialmente. Ora, como alguém foi “transformado parcialmente” sem “nunca ter pedido tal transformação” e mesmo assim não ser uma transformação que violenta a vontade da criatura? Se Deus não considerou a liberdade da criatura, foi na marra que Ele a regenerou parcialmente? A regeneração parcial é uma graça preparatória dada por Deus aos homens de uma forma que violenta a vontade desses homens?
E não fará sentido o arminiano dizer que Deus concedeu a regeneração aos homens, visto que estes escolheram recebê-la. Por que? Simples, no arminianismo é impossível “escolher” sem antes ser regenerado parcialmente. Os arminianos acreditam em livre-arbítrio libertário, isto é, um arbítrio que tornou-se livre após a ação da regeneração parcial.
Observação: Qualquer bom entendedor saberá que não estou dizendo que o arminianismo ensina uma regeneração parcial na marra. E eles podem até mesmo usar o nosso argumento acima para defender que não há violência nenhuma da parte de Deus sendo dirigida a vontade humana. Então, a minha questão é dizer que: se há incoerência com a graça irresistível, então há também com a regeneração parcial arminiana.
2ª objeção: “A graça irresistível é falsa, pois a bíblia claramente ensina que muitos tem resistido a graça de Deus”.
Um versículo muito utilizado pelos arminianos na tentativa de sustentar esta objeção é Atos 7:25. Vejamos o texto:
Atos 7:25 “Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo ; assim, vós sois como vossos pais”.
Resposta: Primeiramente, levando em conta todo o contexto do versículo, o “resistir ao Espírito Santo” aqui é primeiramente uma referência aos Israelitas, que assim como os seus pais, que constantemente rejeitavam os anúncios e ordens dos profetas do Antigo Testamento (que foram incumbidos por Deus de anunciarem o arrependimento, mediante os preceitos descritos na Lei), eles agora resistiam da mesma forma a ordem de arrependimento, dada pelos evangelistas e apóstolos, mediante a pregação do evangelho.
Em segundo lugar, para entendermos que o texto não ensina que a vontade de Deus pode ser frustrada pelo querer humano, se faz necessário expor os dois aspectos da vontade de Deus, tais como: o “prescritivo e o decretivo”. O primeiro é uma referência aquilo que Deus quis que seriam os seus mandamentos; estes mandamentos são constantemente resistidos. O segundo é com referência ao plano eterno de Deus; aquilo que Ele soberanamente decidiu fazer ou decretar. Tendo então esta distinção em mente, entendemos que o problema aparente do versículo em questão é solucionado. Vejamos então o que a Escritura nos revela.
Na Bíblia vemos Deus decretando algo que Ele, em seus mandamentos, não ordena. Por exemplo, Ele de forma nenhuma, em seus mandamentos, ordenou Pilatos, Herodes, os Judeus e gentios, matarem à Cristo. Muito pelo contrário, Ele em seus mandamentos diz “não matarás” (Ex 20:13) Porém, sabemos que a mesma Escritura nos revela que Ele decretou a morte de Seu Filho juntando todos estes personagens “para fazerem tudo o que a Sua mão e conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer” (At 4:28). Ou seja, neste versículo fica claro que Deus decretou a morte de Cristo, e isto usando meios. E os meios são os próprios os homens os quais Ele ordena “não matarás”.
Em Ex 20:16 Deus, em seus mandamentos (aspecto prescritivo), condena de forma clara a mentira. Porém Ele mesmo enganou um profeta (aspecto decretivo) em determinada ocasião para o cumprimento de seus propósitos (Ez. 14:9,10). E também fez o mesmo com Acabe, quando “pôs o espírito de mentira” (aspecto decretivo) na boca dos profetas para enganá-lo, dizendo que ele (Acabe) venceria a batalha, sendo que isto jamais aconteceria (1 Rs 22:19-23).
Em Ex 4:21-23 o Senhor ordena que Faraó (aspecto prescritivo) “deixe o povo de Israel ir”. Mas no cap. 8:1 o Senhor diz que endurecerá o coração de Faraó (aspecto decretivo) para que “não deixe ir o povo”. Ou seja, Deus decretando algo que Ele nunca ordenou.
Cristo, em Mc 16:15, nos ordena pregar o evangelho a toda a criatura (aspecto prescritivo). Entretanto, nem sempre é de sua vontade que isto aconteça (Tg 4:15), como é o caso de Paulo e seus companheiros que foram impedidos, pelo Espírito Santo, de pregar o evangelho na Ásia e Bitínia (At 17:6,7).
A ordem de Deus (aspecto prescritivo), era que os irmãos de José deveriam amá-lo e não vendê-lo como escravo. Porém, o próprio José diz “Assim não fostes vós que me enviastes para cá, senão Deus, que me tem posto por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua casa, e como regente em toda a terra do Egito” (Gn 45:8).
Existem vários outros textos na Bíblia que comprovam estas verdades. Mas creio que estes são suficientes para comprovar o que estamos defendendo.
Diante destes exemplos, e do claro ensino bíblico da vontade de Deus, entendemos então que o “resistir ao Espírito Santo” não quer dizer que Deus desejava salvar alguém e este alguém frustrou os Seus planos. O texto fala simplesmente do aspecto prescritivo da vontade de Deus que é “ordenar a todos os homens o arrependimento” (At 17:30). Isto é, Deus desejou que os profetas e apóstolos pregassem o arrependimento, o que não quer dizer que Deus queria o arrependimento dos que jamais se arrependeriam. O ato de resistir aos profetas significa resistir ao aspecto prescritivo da vontade de Deus; aspecto este que tinha como único objetivo ORDENAR O ARREPENDIMENTO. Em última instância, o que há no texto é um “resistir da ordem para se arrepender” e não um resistir “à vontade de Deus para salvar”. Há uma enorme diferença entre “Deus querer ordenar o arrependimento” e “querer salvar”. Na Bíblia, em certas ocasiões, a ordem de arrependimento feita por Deus através da Lei e do evangelho, tem a finalidade de endurecer ainda mais o réprobo (Is 6: 9-11, Mc 4:11,12, 2 Co 2:15-18).
Dito essas coisas, podemos então entender que os dois aspectos (prescritivo e decretivo) da vontade de Deus resolvem o dilema do texto em questão. Logo, os interpretes que insistem na ideia errada de que a vontade de Deus pode ser frustrada pelo querer humano, terão problemas com textos tais como:
“Bem sei eu que tudo podes, e NENHUM DOS TEUS PROPÓSITOS podem ser impedidos”. (Jó 42:2)
Para o arminiano, Deus tem um propósito, um desejo e um anseio pela salvação de todos os homens. E como Deus quer a salvação de todos, o Espírito Santo faz de tudo para convencer todos os homens. Porém, tais ensinos vão de encontro ao que Jó, inspirado pelo Espírito de Deus, afirmou aqui. O servo de Deus deixa claro que, se Deus tem um propósito ou um pensamento, Ele fará conforme o que pensou. Então, se Ele pensou em salvar, Ele de fato salvará. Mas como nem todos são salvos, conclui-se que Ele nunca pensou em salvar a todos.
“O Senhor dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará.” Isaías 14:24
Novamente a Escritura, através de Isaías afirma que o que Deus deseja e pensa, Ele faz. Os decretos divinos não estão sujeitos às ações dos homens como ensina o arminianismo.
“Assim será a minha palavra, que sair da minha boca; ela não voltará para mim vazia, antes fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei.” Isaías 55:11
Aqui a Escritura dá testemunho da eficácia da palavra de Deus, quando afirma que a mesma alcançará os resultados que Deus quer. Ora, se eu digo que por Deus ordenar o arrependimento de todos, Ele objetiva com isto a salvação de todos, logo tais objetivos não foram atingidos. Afinal, nem todos foram ou serão salvos. Entretanto, está claro que Deus faz toda a sua vontade, sendo assim, a graça salvífica ou irresistível não pode ser frustrada.
“Eu anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; Eu digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade” (Isaías 46:10).
Mais uma vez fica evidente o fato de que Deus fará toda a sua vontade. Se Ele então tem a vontade de salvar a todos, logo todos serão salvos. Então, se insistirmos que é da vontade Dele a salvação de todos, estaremos dizendo que os propósitos de Deus foram derrubados pelo querer do homem.
CONCLUSÃO
Penso então que se considerarmos tudo o que já foi escrito, não poderemos continuar crendo no ensino de que Deus pode desejar a salvação de alguém sendo que tal desejo não é concretizado. A graça irresistível é, portanto, uma graça triunfante; ela é a demostração de que Deus é soberano em regenerar os eleitos, objetivando com isto a salvação dos tais. Podemos então concluir dizendo que: a graça irresistível, de forma alguma, prega uma salvação na marra, apulso, ou que viola a vontade da criatura. Que a graça irresistível é a confirmação de que a vontade de Deus é, e sempre será realizada. E que até mesmo o aspecto prescritivo da vontade de Deus que é resistido, é resistido por que Deus em seu decreto assim o quer. De sorte que Deus continua e continuará soberano sobre todas as coisas.
Soli Deo Gloria
Álvaro Rodrigues
Álvaro Rodrigues