terça-feira, 3 de outubro de 2017

CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS E EPISTEMOLÓGICAS SOBRE A PENA DE MORTE



No ambiente cristão, observo a existência de uma dificuldade de compreensão, e até mesmo de aceitação do ensino bíblico acerca da pena de morte. Quando afirmo que há uma dificuldade de compreensão me refiro ao argumento costumeiramente levantado por certos cristãos de que a pena de morte contraria o sexto mandamento("não matarás"). Partindo dessa equivocada compreensão de uma suposta contradição, eles passam a não aceitar o ensino bíblico claramente revelado.
A grande questão é que se essa compreensão de contradição estivesse correta, a própria infalibilidade da revelação bíblia estaria comprometida, visto que o próprio Antigo Testamento, em vários lugares, deixa claramente evidente que o próprio Deus revelou a Moisés o fato de que determinados pecados seriam punidos com a pena capital(Lv 18:22, 20.10-21;Ex 22..19; Dt 17:12, 21.18-21). Se estes cristãos estão corretos em dizer que a pena de morte contraria o mandamento "não matarás", eles estão assumindo a heresia de que a Escritura é falível e contraditória. Por outro lado, se a pena capital é bíblica de fato, a própria bíblia nos trará uma boa resposta lógica, racional e irrefutável acerca do fato de que não existe contradição alguma entre uma coisa e outra, mas que a contradição está na cabeça dos cristãos que não entenderam nada acerca do ensino teológico sobre o tema e muito menos de epistemologia cristã.

Talvez o leitor esteja perguntando o que epistemologia tem a ver com o tema em questão. Eu diria que tem tudo a ver, visto ser impossível entendermos qualquer assunto sem, antes de tudo, compreendermos de onde ou como obtemos o conhecimento da realidade e das definições dos termos e dos conceitos.

Em minha análise pessoal, me parece que a falha dos cristãos em compreender este assunto é que eles ainda não estão familiarizados com a verdade bíblica de que Deus é o fundamento de todo ou qualquer conhecimento, e que, sendo assim, os termos, os conceitos, as definições e o conhecimento derivam de Deus que é o criador e sustentador de todas as coisas. Deus é o fundamento primeiro e último de toda a realidade. Evidentemente isso não significa negar que os homens criam códigos, costumes, leis e definições secundárias. A diferença é que o homem, como mero instrumento da providência divina, não tem autoridade lógica ou racional para definir objetivamente a moral, os valores, o certo ou errado, o bom ou ruim, etc. Se atribuirmos ao homem a definição objetiva da moralidade e do conhecimento em geral, cairemos em relativismo, visto que os homens por vezes entram em contradições acerca de questões morais, éticas, etc.  Mas o relativismo é o oposto do cristianismo. O cristianismo bíblico ensina que Deus objetivamente define a moralidade, a ética, os valores , os costumes etc. Não há meio termo, se Deus é o Criador de todas as coisas, se Ele é Todo-poderoso, Ele, portanto, é a razão e o padrão primeiro e último de toda a realidade. O raciocínio é simples: se Deus governa e é Senhor,a autoridade humana é secundária. Mas se o homem governa, Deus não é Deus coisa alguma.

Para o cristão, Deus define o que é objetivamente certo ou errado; bom ou ruim. Sabemos que roubar é objetivamente errado, porque Deus definiu assim. E Deus não somente definiu que roubar é algo objetivamente errado, mas também definiu o próprio significado do que seria "roubar". O adultério, a idolatria, o falso testemunho, o assassinato, etc. são ações objetivamente pecaminosas porque Deus assim as definiu. O conhecimento do pecado vem através da lei, diz o apóstolo Paulo em Romanos capítulo 3. E, sendo Deus o autor da lei, logo, Ele é objetivamente o definidor deste conhecimento.

Entendida de forma resumida a epistemologia cristã, podemos levantar alguns questionamentos. Em primeiro lugar, o que é pena de morte? O que significa a expressão "não matarás" em Êxodo 20? Por que as duas coisas não entram em contradição? 
Ora, no original o termo " matarás", que no hebraico é "ratsach", significa "assassinarás". Portanto, o mandamento traduzido corretamente significa "não assassinarás". Tendo este significado em mente, a aparente contradição parece ser resolvida, mas não totalmente, visto que os cristãos contrários à pena de morte costumeiramente argumentam que "a pena de morte também seria uma forma de assassinato pois durante a aplicação da pena, há a retirada de uma vida". Como já dito acima, essa dificuldade advém da ignorância acerca das definições dos termos. Ora, em qual parte das Escrituras Deus definiu a pena de morte como um assassinato? Se Ele não definiu assim, onde então mora a contradição? Ademais, o que é contradição?

De acordo com a lei da não-contradição, uma afirmação não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo e no mesmo sentido. Se a lei da não-contradição é verdadeira(e creio que seja), onde a Escritura se contradiz afirmando em algum texto que "a pena de morte é assassinato", e, em outro texto, que "a pena de morte não é assassinato"? A contradição estaria qualificada se a bíblia sustentasse essas duas definições auto-excludentes. Mas a bíblia não sustenta isso em lugar nenhum. Onde mora a contradição? Poderíamos dar razão a esses cristãos se a bíblia tivesse definido em algum texto a pena de morte como um assassinato. Nessa situação, as aplicações de pena de morte autorizadas por Deus em vários lugares entrariam em clara contradição com o sexto mandamento(não assassinarás), mas como esse não é o caso, logo, não existe contradição nenhuma. A contradição está na cabeça do cristão contrário à pena de morte, não nas Escrituras.

Além de tudo isto, fica, portanto, auto-evidente que não é apenas o ato de "tirar a vida" que define um assassinato. Em um contexto de legítima defesa, onde a vida de uma vítima de assalto ou qualquer atentado está em evidente perigo, o ato de tirar a vida do criminoso, como uma forma de se defender, também pode ocorrer, nem por isso a legítima defesa nesse caso se tornará um assassinato(Êx 22). Nessa situação, Deus não definiu a legítima defesa como um assassinato, mesmo quando há morte. Desta forma, quem busca redefinir o que Deus definiu demostra ser um cristão insatisfeito com a revelação. Isto, além de rebeldia, é uma irracionalidade estúpida, visto que sem Deus como fundamento de tudo, resta ao homem o ceticismo epistemológico auto-contraditório.
Na pena de morte, o ato de "tirar a vida" é definido por Deus como um ato punitivo, isto é, uma pena capital (Êxodo 21. 23,24). No assassinato, o ato de "tirar a vida" é definido como crime, pois, nesse caso, a vida é retirada fora da autoridade de Deus e por qualquer motivo.

Já no Novo Testamento, temos evidências de que a pena de morte pode e deve ser aplicada pelo estado em algumas situações. Os cristãos contrários à pena de morte, também costumam argumentar que Cristo não era favorável à pena capital, pois a pena capital contraria o mandamento do amor ao próximo.
Minha resposta a esta argumentação obedece ao mesmo princípio argumentativo acima em resposta a suposta contradição entre o sexto mandamento e a pena de morte. Da mesma forma que no primeiro caso respondido, não existe contradição nenhuma entre o mandamento de Cristo em relação ao amor ao próximo e a pena de morte. Além do mais, o mandamento do amor ao próximo não foi inaugurado no Novo Testamento através de Cristo. Levítico 19:17-18, diz: “Não odiarás a teu irmão no teu coração; não deixarás de repreender o teu próximo, e não levarás sobre ti pecado por causa dele. Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor”. Já no Antigo Testamento, este mandamento era uma verdade revelada. E também é nesse mesmo Antigo Testamento que está também revelada a necessidade da aplicação da pena de morte. Desta forma, compreendemos que Deus nunca definiu a pena de morte como uma anulação do amor ao próximo. Novamente, Deus é quem define o que é amor ao próximo.
Por exemplo, em casos de legítima defesa, onde a vítima precisou matar o agressor, tal ação poderia ser considerada como falta de amor? A vítima faltou com amor ao tirar a vida do agressor? Não, pois a bíblia não definiu as coisas de tal forma. O mesmo princípio é válido para a pena de morte. A contradição estaria qualificada se Deus tivesse definido o mandamento do amor ao próximo de uma forma que não acomodasse a pena de morte, mas Ele nunca fez isso em lugar algum. Mais uma vez, a contradição mora apenas na mente dos cristãos que são contrários ao ensinamento bíblico da pena de morte.  Tais cristãos buscam redefinir aquilo que Deus definiu, o que é um grave erro.

Jesus como cumpridor da lei não poderia ter sido contrário à pena de morte. O caso da mulher adúltera, onde Jesus a livra da pena capital, longe de significar uma rejeição da pena de morte, significa apenas que os fariseus eram acusadores,  não testemunhas de fato. E mais, os tais fariseus não trouxeram o homem que estava adulterando com a mulher. Segundo a lei, o apedrejamento deveria ocorrer em casos onde houvessem mais de uma testemunha; bem como os dois, tanto o adúltero quanto a adúltera, fossem flagrados e trazidos para serem condenados(Nm 35:30). Mas nenhum desses requisitos foram preenchidos no caso da mulher adúltera, ou seja, não existiam testemunhas suficientes e muito menos o homem adúltero foi apresentado. Logo, pela lei ela não poderia ser apedrejada. Longe, portanto, desse caso representar uma negação de Cristo em relação a aplicação da pena de morte, ele é o relato mais fiel de que Cristo cumpria exatamente o que estava na lei. Evidentemente, a mulher era adúltera, pois Cristo, sendo Deus, sabia disso quando disse "vá e não peques mais", mas a lei exigia outras testemunhas para a execução da pena. Cristo sabia mais do que ninguém que os fariseus estavam o testando. Se Jesus tivesse permitido o apedrejamento da mulher, teria sido acusado como um descumpridor da lei. 
O amor de Cristo pelo pecador, não isenta esse pecador das penalidades temporais que ele deve enfrentar. Um condenado à pena de morte poderá ser salvo, caso arrependa-se verdadeiramente. A graça de Deus alcança o mais vil pecador, mas isto não anula as punições temporais. É bem verdade que Deus, em sua soberana misericórdia, pode livrar homens de certas punições temporais. Davi foi um exemplo disto, outros homens de Deus também. Paulo diz que os pecadores são dignos de morte(Rm 1:32). Nós, como pecadores, merecíamos a morte em todos os sentidos, mas a misericórdia de Deus nos livrou dela em todos os sentidos. 

Além do mais, é bom lembrar que a aplicação da pena de morte, sendo uma pena capital, deve ser aplicada pelas autoridades constituídas por Deus em sua providência.  A pena de morte é a vingança do Senhor contra a injustiça humana. O Senhor exerce a sua vingança através desses  ministros e instrumentos que Ele mesmo escolheu para estes fins. Ao estado, portanto, cabe a responsabilidade na aplicação desta pena(Rm 13). É esse estado que, de acordo com Paulo, carrega a espada da vingança divina contra a injustiça humana(Rm 13). A vingança pertence a Deus, mas ele exerce essa vingança através de seus ministros. Ninguém, além desses ministros, pode executar essa vingança. Como diz Paulo : Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás louvor dela.Porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal(Romanos 13:3,4)

Soli Deo Gloria

Álvaro Rodrigues